sexta-feira, 24 de abril de 2009

Vivendo e aprendendo - não necessariamente nessa ordem!


“De cada lado da sala de aula, pelas janelas altas, o azul convida os meninos, as nuvens desenrolam-se, lentas, como quem vai inventando preguiçosamente uma história sem fim; sem fim é a aula; e nada acontece, nada...Bocejos e moscas. Se ao menos, pensa Margarida, se ao menos um avião entrasse por uma janela e saísse pela outra”.

Mário Quintana



Vivo aprendendo ou aprendo vivendo? Bem, para uns, o aprendizado é tudo – é a própria vida. Eu aprendi muito com ela, experimentando... Tive professores que me ensinaram; aprendi (e aprendo) com os livros. Para quem não sabe, meu livro de cabeceira (digo sem a menor vergonha) é "O Pequeno Príncipe". Por ocasião do Dia Mundial do Livro e Ano da França no Brasil, participei de um concurso de frases sobre ele. A pergunta era “Por que O Pequeno Príncipe se tornou o livro mais amado do mundo?”. Nas mais de 150 respostas, o consenso foi que dizer que ele nos ensina a lembrar das coisas simples da vida, principalmente da criança que nós fomos um dia. O conselho de classe de hoje foi o meu “O Pequeno Príncipe” – serviu para me lembrar da aluna que eu fui um dia.

Sendo professora, tento ver meus alunos com os olhos de quem já esteve sentado naquelas carteiras duras e desconfortáveis – num espaço pequeno, monte de deveres para cumprir e o direito de ficar calado. E o que vejo não é nada assim tão diferente de quando eu era uma aluna, como eles. Não consigo olhá-los e não me ver quando eu tinha a idade deles. Impossível não me lembrar dos meus sonhos, meus anseios, minhas expectativas com o futuro. Nas minhas aulas, alguns me olham atentos, olhos brilhando. Outros - com ar de tédio - ouvem música no mp3, riem, conversam o tempo todo. Eu era o que se chamava na época uma CDF, uma aluna “exemplar" - nunca dei trabalho para nenhum professor meu. Mas eles me enchiam de trabalho. Não digo trabalhos que valiam nota e que me faziam “passar de ano”. Refiro-me ao esforço hercúleo de suportar suas aulas monótonas, sua postura autoritária e retrógrada. Nunca fui boa em exatas. Sempre foram meu calvário, minha suprema via crucis. Em uma ocasião, fui humilhada por uma professora de matemática, diante de todos meus colegas, por causa da minha dificuldade e nunca esqueci. Ela nunca olhou para o meu problema com o cuidado devido – simplesmente achou mais fácil pôr a culpa toda em mim, no meu “desinteresse”. Naquela época, eu não sabia que eu tinha o direito de levantar meu braço e dizer: “Professor, odeio sua matéria. Por favor, me faça mudar de opinião!”

Hoje estou do “lado de lá”. E me senti tão estranha... Passei a maior parte da minha vida como aluna. De fato, creio que minha experiência docente nunca vai superar a discente. É tão esdrúxulo assim que eu não consiga esquecer como foi, como é ser aluna? Do mesmo modo, a infância em mim é viva – a impressão que tenho é de que tudo foi apenas há um segundo! Mas as pessoas ao meu redor parecem que nunca foram criança um dia... E que professores nunca foram alunos – já nasceram ensinando, sabendo ensinar...

Nem todos nossos alunos são uma Susan Boyle, mas eu nos considero – nós, professores – como o júri cínico e a plateia hipócrita daquele programa. Todos citamos Paulo Freire com propriedade, mas e daí? Parece que tem gente que só virou professor para se vingar do que fizeram com eles quando eram alunos, só pode! De uma coisa, eu tenho certeza: eu não sou disciplinária, não sou mãe, não sou babá, não sou carcereira. Sou PROFESSORA, eu ensino. A questão é que ensinar exige motivar primeiro. E quem de nós está motivado o suficiente para acender a motivação no aluno? Quem? Somos um bando de caras de pau quando nos dizemos insatifeitos, mal-remunerados e continuamos na sala de aula – coMANDANDO (em) tudo. Acho que meus colegas deviam reler – se é que já leram algum dia – "O Pequeno Príncipe". Um dos meus amigos mais queridos usa o tempo todo a seguinte máxima: “uns não aprendem nunca; outros, mais tarde ainda”. E ele jura que é otimista...

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O talento de Susan Boyle




Susan é uma escocesa que vive "sozinha" - na companhia de seu gatinho Peebles. É uma "coroa" de 47 anos, "feia" (todas as notas de jornais online reforçam essa ideia) - nunca foi beijada - e "ridícula" - todos esperavam que ela pagasse um mico. Acontece que Susan surpreendeu não somente a Grã-Bretanha como o mundo todo com sua voz de ouro! A canção escolhida pela cantora foi bem apropriada: I dreamed the dream - do musical Les Miserables. E eu, particularmente, acredito que ela realizou muito mais do que ela pôde sonhar numa vida inteira.

A performance de Susan é emocionante. Não apenas por sua voz magnífica, mas pelo brilho de sua personalidade carismática - alegre, encantadora, humilde mas autoconfiante. Ela desbancou e derrubou vigorosamente a ridícula máscara do preconceito humano que sempre espera o risível e tem o deboche - na cara (quando não diz) e no tom da voz (quando resolve dizer quando devia se calar). Dos três jurados, apenas Amanda (um dos rostos bonitinhos da Inglaterra) não esperou dela o pior. Em seu rosto havia a expectativa do admirável. Foi a única que demonstrou algum respeito pela candidata antes mesmo de sua performance. O escárnio chega ao auge quando Susan diz que seu sonho é ser como Elaine Paige - a grande cantora de musicais da Grã-Bretanha. Nesse momento, a plateia ri. E quando Susan solta sua voz, seguido do breve silêncio constrangedor, a mesma plateia que riu e esperou dela o ridículo, aplaude insurdecedoramente. Bando de hipócritas!

Susan não me surpreendeu - porque eu não esperava dela o pior, o ridículo: ao contrário. Ela simplesmente me emocionou porque ela teve coragem - a coisa mais importante que precisamos ter para enfrentar todas as dificuldades da vida. Susan, você é DEMAIS! Ainda bem que existem muitas Susans nesse mundo. E felizes são aqueles que têm o privilégio de conhecê-las e principalmente reconhecê-las!




quarta-feira, 8 de abril de 2009

Miserable

Estamos acostumados com o sentido comum do termo miserável - desprovido de recursos materiais: um sem-teto, um sem-dinheiro, um "nada". Esse sentido é o mais forte na nossa língua; é o que parece. Em inglês, miserable é o termo mais "completo" que expressa uma terrível infelicidade - tão grande e devastadora que pode até mesmo nos matar.

Eu me sinto absolutamente miserável quando sou pega por um resfriado. Uma "simples" gripe me derruba mais que uma bala de canhão, palavras de escárnio ou desprezo, um murro no meio da cara. Ela me reduz a um caco, a um trapo velho e em desuso, descartável... Nada me conforta. Nem mesmo a certeza de que a gripe "não mata", apesar de derrubar. Mesmo sabendo que ela vai passar e que vou ficar bem, só o fato de estar mal e não saber exatamente quando vou me sentir um ser humano outra vez é o suficiente para me deixar completamente MISERABLE - literalmente.

Hoje, ante de ir para a escola, eu assisti o último episódio da atual temporada de House M.D. Ele caiu sobre mim como uma bomba, como um raio - fulminante, mortal. Não vou "spoilear", mas o fato é que me fez pensar numa coisa importante, séria e - pasme, como eu! - verdadeira: as pessoas menos prováveis de serem miseráveis são justamente as mais miseráveis de todas! Desconfio agora e daqui pra frente de toda a pessoa que autoafirma a felicidade, a pessoa que está sempre sorrindo, a solícita, a que sempre está ali para te ajudar. Porque é ela a mais infeliz, a mais solitária, a que mais clama por socorro - essa é a sua maneira de pedir. É por isso que eu gosto de ver House. Essa série sempre me leva a profundas reflexões sobre o comportamento humano - além da mera filosofia existencialista e do senso comum.

E o que tem tudo isso a ver como fato da gripe me deixar tão "miserable"? A gripe é meu grito de socorro. É o que me mostra o quanto eu me sinto miserável por não ser reconhecida pelo que faço, pelo que sinto, pelo que sou... A gripe me aponta como sou sensível à indiferença do outro e o quanto o que ele pensa ou sente sobre mim me afeta...

Já identifiquei em House algumas pessoas que eu conheço. Mas dessa vez, eu absurdamente me identifiquei com um personagem, reconhecendo em mim tudo que havia nele. Por isso, hoje, sou capaz de encarar a minha própria miséria. E não vou culpar a gripe.

terça-feira, 7 de abril de 2009

The Dears - Gang of Losers

O Dears é uma banda mista de origem canadense. Essa música particularmente lembra bastante Coldplay e Radiohead - mas tem uns arranjos muito muito diferentes durante a música. Eu achei extremamente criativo...

Tenho trabalhado com meus alunos o conceito de intertextualidade e é tão bacana ver o conceito na prática... Quero dizer que de fato quanto mais conhecimento de mundo, quanto mais capital cultural você consegue adquirir, maior vai ser sua compreensão e deleite.

É extremamente curioso que essa banda também tenha surgido originalmente na década de 90 e só agora, no novo século, que tem seu trabalho mais reconhecido. Essa música é do álbum Gang of Losers, de 2007 - muito bem recebido pela crítica e nomeado a vários prêmios. Outra: eles já abriram show pra muita gente boa... Adivinha pra quem? KEANE! Amei saber disso...

Sei que a Dafne vai reclamar dizendo que eu só falo de música... Mas é que eu tenho achado tanta coisa legal, que eu tinha que registrar aqui. De fato, tem acontecido tanta coisa na minha vida que está precisando ser registrada aqui, mas isso é assunto para um próximo post.


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Now playing: Dears - You & I Are A Gang Of Losers
via FoxyTunes

domingo, 5 de abril de 2009

High - James Blunt

Eu sempre gostei dessa música. Mas hoje, particularmente, eu acordei com vontade de ouvi-la antes de mais nada. Engraçado é que a gente, mesmo conhecendo a língua, nunca presta atenção realmente no que ela diz. Então, eu fiz como costumo fazer todas as vezes que eu sinto essa vontade inexplicável de ouvir determinada música. Pronto, tá tudo explicado... Para quem é "bom entendedor", pingo é letra. Essa é para meu namorado, Cláudio - HOJE e pra sempre.



Belo amanhecer,
Ilumina a beira da praia pra mim.
Não há mais nada no mundo,
Que eu prefira acordar e ver, (com você)...

Belo amanhecer,
Eu estou correndo atrás do tempo,
Pensei que morreria sozinho, numa noite sem fim.

Mas agora estou nas alturas...
Correndo alegre no meio das estrelas lá em cima.
Às vezes...
É difícil de acreditar que você lembra de mim.

Belo amanhecer,
Se mistura com as estrelas outra vez.
Você lembra do dia, quando a minha jornada começou?
Você lembrará do fim, (do tempo)?

Belo amanhecer,
Você está apenas avivando minha memória, outra vez,
Pensei que tivesse nascido numa noite sem fim, até você brilhar...

Mas agora estou nas alturas...
Correndo alegre no meio de todas as estrelas lá em cima.
Às vezes...
É difícil de acreditar que você lembra de mim.

Será você o meu ombro, quando eu estiver grisalho e velho?
Prometa-me que o amanhã começa com você,

Subindo...
Correndo alegre entre todas as estrelas lá em cima.
Às vezes...
É difícil de acreditar que você lembra de mim.

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Now playing: James Blunt - High
via FoxyTunes

sábado, 4 de abril de 2009

Remember who you are - 60º post

Poucas pessoas sabem, mas a idéia original para o "Rei Leão", veio de um conto antigo da Índia. É um conto muito bonitinho... O próprio Disney já havia aproveitado esse conto hindu e fez um curtinha Lambert - The Sheepish Lion, em 1952. Acredito que o Ocidente conheceu essa estória através de dois monges que viveram nos Estados Unidos - Swami Vivekananda, que contou essa história em uma conferência em 1894, e Swami Paramahansa Yogandanda, que também difundiu esse e outros contos da Índia em seus livros e conferências. As estorinha tem várias versões. Resumidamente: um leãozinho se perde da mãe e uma ovelha, que perdera seu filhote, o adota como seu. O leãozinho, criado no meio das ovelhas, não reconhecia sua natureza felina, carnívora e feroz. Comportava-se como uma ovelhinha, a balir e pastar. Um dia, um leão veio atacar seu rebanho e o leão-ovelha, todo amedrontado, fugia. Isso causou estranheza no leão, que vendo a reação de um membro de sua espécie quis saber porque se comportava daquela maneira. Ele repetia: "Sou uma ovelha, não me coma, por favor". E o outro leão disse: "Não você não é uma ovelha. É um leão igual a mim". O leão-ovelha tremia de medo. O leão deu um rugido e disse: "Faça igual a mim". E o pobre animal se pôs a balir: "Eu não sei, sou uma ovelha". O leão, furioso, levou o até uma poça d'água e disse: "Olhe seu reflexo! Você é um leão!" O leão-ovelha ficou muito impressionado, mas com ajuda do novo amigo, recobrou sua verdadeira natureza.

Eu gosto tanto desse conto - Tanto quanto o do Patinho Feio - pois é uma das lembranças mais doces e felizes da minha infância. Eu assisti Lambert - o Leão Ovelha no programa Balão Mágico. É uma alegoria à verdadeira natureza humana: forte, poderosa. Vivemos como se fôssemos ovelhas medrosas o tempo todo, tremendo diante dos obstáculos, baixando nossas cabeças passivamente quando deveríamos rugir e lutar! O homem tem uma força desconhecida dentro de si capaz de mudar o mundo, mas não acreditamos nela, como o Lambert que pensava que não passava de uma ovelhinha. A estória do Rei Leão segue o mesmo princípio. Simba, cheio de culpa, preferiu esquecer sua verdadeira natureza, fugindo da responsabilidade que representa ser "um leão". É uma metáfora para coragem que precisamos ter para enfrentar as dificuldades e todo sofrimento da vida, assumindo a verdadeira natureza da nossa alma.

Essa semana eu disse aos meus alunos que Bakthin trouxe para literatura uma espécie de Lei de Lavoisier - em literatura (arte) nada se "cria", nada se perde - tudo se transforma. É lindo ver a mesma estória simples e maravilhosa em diversas formas, por diversos ângulos e nuances - sempre ricas e coloridas, para o nosso deleite...

Para quem quiser ler o conto por Swami Vivekananda, clique aqui.