sexta-feira, 26 de novembro de 2010

This One - Paul McCartney


A passagem do Beatle mais tietado de todos pelo Brasil parece nem ter acontecido. Mal se encerraram a série de shows - restritos a São Paulo e Porto Alegre - ninguém mais fala do cara. Antes, surgiram fãs do nada, gente tatuando o autógrafo do cantor, muito frenesi e histeria quase beatlemaníaca. Bateu, segundo fontes seguras, os maiores recordes de público até hoje. Da imensa multidão que marcou presença, gostaria muito de saber qual a porcentagem dos que realmente conhecem a carreira do ex-membro da banda mais famosa de todos os tempos e curtiram de verdade. Garanto que muitos sacudiram os celulares ligados para a música Yesterday como se ele não tivesse feito nada melhor... Até John, que apesar de ter jogado na imprensa que tudo que Paul fez (de bom) foi Yesterday, sabia que Paul era um Midas da música pop. Nenhum beatle foi mais pop que ele...

Apesar dos altos e baixos da carreira "solo" de Paul, quase tudo que ele fez foi um tremendo sucesso. Enumerar todos seus hits é tão desnecessário quanto redundante. O que posso dizer dele que não tenha sido dito nem pareça uma tietagem boba? Acho que ninguém nunca reparou que Paul também era bem ligado às coisas espirituais. Não é só a questão do vegetarianismo não! Os valores espirituais, principalmente os pregados pelo Hinduísmo, deixaram uma marca indelével na obra de George, mas tanto John quanto Paul fizeram trabalhos que remetem à espiritualidade. Isso fica bastante explícito num sucesso de 89, do álbum "Flowers in the dirt" e que depois foi o hit do 42º single do artista, intitulado This one

A canção é uma metáfora para o relacionamento do devoto com o Deus (ou Eu Interior): um relacionamento íntimo e aberto. Na filosofia hindu, o homem deve estabelecer um contato com seu Ser - alma - e não permitir que o Ego (consciência de uma existência escrava da matéria e dos desejos) o subjulgue. A única forma possível é abrir o coração (open up your heart) e saber que a alma é seu verdadeiro ser (you were mine - ou seja, o hong só: "Eu sou Ele"). A letra é um alerta ao devoto para não perder a oportunidade de cultivar essa Amizade Divina com seu próprio interior deixando escapar momentos preciosos. Só há um tempo ideal para tal: o agora (there never could be a better moment than this one). A imagem de Deus  (Brahma) montado em um cisne (hans vahana) representa o conhecimento. 

This one parece ter sido feita em parceria com beatle mais espiritualizado. A melodia, inclusive, tem muita semelhança com trabalhos do projeto Traveling Wilburys - um "super" grupo com ninguém menos que George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbison e Tom Petty. Foram feitas duas versões videoclípticas para o single. Essa é 2ª versão e mais condizente com a letra e o espírito de sua mensagem. É uma das minhas favoritas do Paul e muito pouco reconhecida pelos fãs... 



domingo, 21 de novembro de 2010

Laços de Família


A coisa mais permanente nesse mundo é a mudança. Tudo está constantemente se renovando, transformando, multiplicando, expandindo - ou sumindo. Por que então paradoxalmente procuramos sempre algo que dure para sempre? "E foram felizes para sempre", ainda que irreal, soa imprescindível a uma história (de amor) feliz. 

Nada dura para sempre. Lembro que, quando criança, fazia coleção de copos de extrato de tomate da Cica. Na época, cada um vinha com um personagem diferente: Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e até o Jotalhão. Morria de ciúme deles e meu maior medo é que eles se quebrassem. Inevitavelmente, um a um, foram se quebrando. O choro de uma revolta pueril evidentemente era ignorado pelos adultos que entendem "muito bem" o que é a impermanência na vida.

Há, de fato, algo que seja absolutamente indissolúvel? Se até um diamante se parte e mesmo o inofensivo vento pode causar incauculável destruição, existe algo - mesmo que não-material - que seja eterno? Posso estar enganada, mas há apenas uma coisa indissolúvel na existência humana: os laços de família. Existe ex-amigo, ex-vizinho, ex-colega, mas não ex-pai, ex-mãe, ex-irmão, ex-sobrinho, ex-primo e assim sucessivamente. Os laços consanguíneos são indissolúveis e nem mesmo a morte nega o fato de que alguns indivíduos nesse mundo estão intrinsecamente ligados a você quer queira, quer não.

Sempre existe aquele parente pentelho que você evita e, sem dúvida, aquele que você mais adora. Afetos ou desafetos, parentes são partes de você que vieram antes e que se perpertuarão mesmo quando você não estiver mais nesse mundo. Tenho pensando que nos irritamos e nutrimos - sem refletir - mágoas e rancores contra essas partes de nós que não queremos aceitar...

Equivocadas ou benfazejas, nem sempre as ações definem o que uma pessoa significa para você porque uma pessoa é muito mais do que o modo como ela age. Ela é seu sangue, seu gene - um símbolo que possui significância. Acredite ou não, pais magoam seus filhos... Irmãos se odeiam e se digladiam... Primos se invejam. Marido e esposa se detestam. Se pudéssemos pensar que nossos laços de sangue são imutáveis, não nos toleraríamos irrefletidamente e seríamos honestos com nossos familiares. É nosso dever não cultivar contra aqueles que definitivamente são parte de nossa existência raiva ou ódio, pois seria o mesmo que não nos aceitar e respeitar. Com nossa família, deveríamos treinar o exercício da franqueza, da humildade, da sinceridade, como apregoava o saudoso José Ângelo Gaiarsa. Ele dizia que isso era tudo o quanto falta no seio da família - além de um profundo sentimento de "religiosidade" - para que houvesse realmente entendimento. Portanto, deveríamos saber separar as pessoas de seus atos e aceitar que não nos indignamos contra nossos pais, tios, avós, ("superiores"), irmãos, primos ("iguais") e os demais ("inferiores"), mas sim contra atitudes injustas e prejudiciais. Não existe harmonia, paz e amor onde há a desconfiança, rancor e revolta. É preciso diálogo - franco e sincero; calmo e sereno.

Essa expressão - laços de família - me remete à Clarice Lispector e ao desconsertante conto que leva o mesmo nome. Penso que laço é uma palavra imprópria para associá-la ao que nos liga aos nossos ascendentes e descendentes. Eles representam nossa história - a que houve antes e que haverá depois da nossa existência, afinal. Laços são frágeis e desmancháveis. Família é para sempre. E hoje penso nela - no modo como a vejo e como ajo dentro dela - com um pouco mais seriedade e carinho que ontem.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Força Estranha - Adeus, meu tio...

Sei que ainda é cedo para um balanço de fim de ano, mas tem sido impossível não olhar para trás e ver o quanto eu perdi ou tentar, com extrema dificuldade, lembrar quando, como, onde, se e o que eu ganhei nesse ano de 2010. Tem sido, para mim, uma sucessão absurdamente ininterrupta de momentos fantásticos seguidos de catastróficos. Há dores e males que a alopatia cura. Entretanto, o que pode curar um coração trespassado pela foice impiedosa da morte que leva desse mundo os que você tanto ama sem direito a protestos? Não há remédio que cure o pesar do pensamento torturante do "nunca mais". 

Há pouco mais de 3 meses, meu coração enlutado sofre a ausência do pai querido e hoje recebe, com extrema tristeza, a notícia do falecimento do tio mais amado. Dos irmãos maternos, ele sempre foi o mais próximo. Tinha o temperamento muito forte esse meu tio. A lição que me ensinou, ainda na tenra infância, jamais vou esquecer: criança distraída em folguedos, esqueci-me, certa feita, de cumprimentá-lo como se deve. Severamente criticou meu comportamento distraído lembrando-me da importância do respeito aos mais velhos e o sagrado dever dos mais jovens de pedir-lhes a benção. Daquele dia em diante, nunca - JAMAIS - deixei de cumprimentá-lo dessa forma  (a ele e a todos os meus tios) mesmo depois de tantos anos. Meu respeito e carinho me fizeram ser bastante grave com ele em nosso último contato direto: era diabético como meu pai e eu temia muito por sua saúde. Pedi-lhe que não abusasse mais do álcool, açucar e cigarro... Não queria perdê-lo precocemente, posto que mal ultrapassara a casa dos 60. Com muita tristeza confesso que meu coração parecia adivinhar que o momento fatídico se avizinhava e sei que disse, com o mesmo rigor com que anos atrás me corrigira ele o comportamento, que devia eliminar de vez os hábitos que minavam sua saúde. No momento em que os dedos tentam acompanhar as batidas arrítmicas do meu coração ferido pelo infortúnio da perda inevitável, tenho a certeza de que ele, onde quer que esteja, me perdoa por ter sido tão dura em nosso último encontro. Exerci com ele o que me ensinara - a corrigir (com e) por amor, ainda que austeramente.

Meu tio... Nunca se apagará de minha memória seus passos de dança com toda a família alegremente reunida há tão pouco tempo atrás. Seu sorriso - uma despedida, agora sei - de dentro do carro para mim na última segunda-feira guardavam uma ternura que só quem sabe - sem saber - que está partindo oferece às pessoas queridas.

Por certo que Deus ou o destino - seja lá qual nome tenha essa série de eventos ora desastrosos ora cheios de encanto a que chamamos vida - tem subtraído (esse ano mais que em qualquer outro anterior)  de mim a alegria que estoicamente tento preservar. Todavia, é inegável reconhecer que esse mesmo Deus soma em minha vida uma força estranha nas horas mais graves: uma coragem sem tamanho, uma fé quase inabalável, apesar da dor e do lamento, uma certeza quase inexplicável de que eu preciso... continuar a cantar.